quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Amanhecia e anoitecia e eu ainda não havia pensado em nada , nada que não começasse ou terminasse em Kons-tan-ti-ne .
Permaneci talvez por dias sentado na beira da cama olhando as caixas de papelão que não foram usadas porque ela tinha poucas coisas pra levar.
Enquanto as estações mudavam e o vento , a chuva e a neve chegavam pelas janelas abertas e presenciavam o desespero que me escorria pelas têmporas incrédulas.
Um dia eu tentei me deitar , e o cheiro dela infestava os lençóis , as cortinas , as fronhas nos travesseiros , os cobertores e até mesmo os que estavam nos armários que ela provavelmente nem tinha chegado a usar , mesmo estes , estavam impregnados com o seu cheiro .
Perturbado eu tentava me levantar mas então via a minha pequena numa imagem quase transparente , como um fantasma , atravessando as paredes , do jeito que ela sempre quis , mudar de um cômodo pra outro sem usar as portas.
Porque Konstantine não gostava de portas ou passagens , minha pequena gostava de inventar , de rastejar , de ir pelas frestas , como brisa , como uma ventania as vezes , ou como água , pelos furinhos , pelos cantos , linda , doce e irreal.
Penso se eu havia enlouquecido , inventado a minha pequena garota ou envenenado pelo seu encanto e ainda agora não sei responder , não sei nada.
Só tenho a plena e estranha certeza de que ainda agora , se eu olhar para as escadas , verei Konstantine descendo-as , trajando o vestido azul-claro da formatura no verão passado.
E logo abaixo , impaciente , já com a porta entre aberta a sua espera , estará o meu sorriso entorpecido pelo oceano em seus olhos e seus passos leves , pedindo 'vamos querida , não queremos perder a primeira dança , você está linda outra vez , venha comigo'.
Não sei em que parte me perdi . Konstantine com o mesmo sorriso irreal , de porcelana , colocava suas pequenas coisas dentro das caixas e lágrimas de açúcar cruzavam o céu abaixo do oceano de seus olhos infantis , e ainda assim ela não parava de sorrir e .
Minha Konstantine se foi , como se vai o vento , pelas frestas , pelos furinhos das janelas , pelos cantos , atravessando as paredes com os fantasmas de seus antepassados , com as partículas indecifráveis que estão por todo o ar , assim como se vão as gotas de chuva , assim como elas secam quando a droga do sol aparece outra vez e me faz perceber que amanheceu outra vez e eu não sei onde ela está, não consigo imaginar onde estará , quem a levou ?
Porque é que ela se foi ? Minha Konstantine.
Continuarei a viver falsamente com o mesmo sorriso cristalino de minha amada , trabalhando , dando bom dia aos vizinhos , tendo outras namoradas , me perdendo no formato das nuvens , me ferrando para pagar as contas e viver sozinho sem a ajuda de ninguém , mas sempre que tudo fugir do controle e eu me sentar nos degraus da porta da frente aos prantos , ainda sem seus olhos de oceano , eu olharei para as escadas e verei Konstantine descendo-as trajando o vestido azul claro da formatura.

Um comentário:

Tamara disse...

em um dia nublado,cinzento,estranho,eu sempre me sinto no meu melhor lugar,e sempre quando eu leio algo escrito por vc.. é como se meus sonhos mais caóticos se tornem histórias para milhares de pessoas :)