domingo, 10 de março de 2013

1852


Essas músicas que vocês cantam, essas músicas que vocês dançam e dizem sentir todo um universo nos ouvidos.
Eu não tenho isso. Ouço, mas não sinto.
Olho meus dedos atráves do sol, depois olho em volta, e eu não faço parte dos carros passando, nem das pessoas conversando, nem da fofoca das vizinhas, nem dos causos nos bares, nem dos sorrisos entre as bebidas, nem das transas promíscuas. De nada.
No meu mundo, somente as letras dançam, embaralhadas na minha cabeça, e balançando na minha visão turva enquanto eu tento transcrever o que.. o que pede pra eu rasgar minha pele e fugir daqui, porque aqui não é meu lugar.
Eu vivo todos esses dias, tentando mascarar que aqui dentro está vazio.
Eu limpo a casa, lavo as roupas, vou pro trabalho, luto pra falar ao telefone, pra ter como sobreviver, preparo o almoço, o jantar, a ração pro cachorro. E quando eu me distraio com minha própria imagem no espelho, eu não sou nada.
Eu procuro em livros, eu procuro nas histórias das vidas de outras pessoas, nos filmes, nas calçadas, nas guimbas de cigarros na sarjeta entupindo os bueiros, nas digitais dos meus dedos, mas eu





não encontro.
Então eu pago as contas, vou ao banco, frequento um curso, compro mais livros, compro mais cigarros, rejeito as bebidas, rejeito as drogas, rejeito o sexo que as pessoas oferecem gratuitamente, porque eu não sinto nada, eu só puxo a fumaça



e solto a fumaça. E esse oceano nos meus olhos, infinito, disfarçando pra você que me vê na rua, o meu desespero e angústia, esse oceano, me afoga antes de pegar no sono, com a cabeça explodindo e a pele ardente de arranhar, já que eu não posso cortar. Eu não posso surtar, eu não posso perder o emprego, eu não posso largar meu curso, eu não posso me drogar, não posso perder a hora, não posso parar. Não posso parar. Não posso parar. Não posso parar. Não posso parar.

2 comentários:

vanessa carvalho disse...

gostei da tua escrita.

flores.

Brunno Lopez disse...

Te leio desde os primeiros dias do meu próprio antigo blog.
Ninguém - ninguém mesmo - consegue criar uma atmosfera tão densa e cativante feito a sua. Isso nunca aconteceu. Talvez por você escrever as verdades dos seus dias. A gente lê e tenta imaginar a cena, tenta salvar a personagem, tenta ver o infinito que existe além da sua própria vida.

Ainda quero ler sobre seus dias coloridos, seu sorriso indisfarçável num dia de semana qualquer, com uma mudança de temperatura que lhe fez bem. Mas hoje, eu ainda continuo admirando seu jeito peculiar de falar sobre a dor e o cotidiano.

Sensacional.